Alta da Selic e sombra da ação do FED levaram títulos de inflação a oscilar quase como renda variável este ano. Para especialistas, volatilidade de curto prazo dos títulos persistirá, mas será melhor daqui para frente.
A tentativa do governo de forçar o juro real de equilíbrio da economia brasileira para baixo do seu limite acabou deixando uma herança complicada para investidores e gestores de fundos. Para muitos especialistas, a altíssima volatilidade que se observou este ano no mercado de títulos públicos, sobretudo aqueles indexados à inflação, as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-Bs), foi consequência desse processo. Com a inflação pressionada, após um período de juro real baixo de 2% ano passado, o Banco Central (BC) teve de iniciar o ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic, e adotar uma veemência maior do que a inicialmente imaginada. Para completar, a entrada em cena do fator Fed, em maio, complicou ainda mais a vida dos investidores. A perspectiva de que o BC dos Estados Unidos começasse a retirar os estímulos monetários empinou a curva de juros americana, afetando as taxas de todos os países mundo afora.
Diante desse cenário de convergência de fatores negativos, as NTN-Bs, que pagam a variação da inflação medida pelo IPCA mais um juro real prefixado, mostraram oscilações dignas da bolsa de valores em vários momentos do primeiro semestre, no qual, aliás, o Ibovespa também sofreu bastante. Em maio, para se ter ideia, quando os efeitos Selic e Fed tiveram seu ápice, os fundos que aplicam nesses papéis tiveram perdas médias de 2,5% enquanto as carteiras ‘Ibovespa Ativo’ perderam 1,65%.
Esse novo padrão de oscilação dos chamados papéis de inflação vem se desenhando desde o ano passado. Porém, como em 2012 o resultado foi uma grande valorização dos títulos e dos fundos, ninguém se assustou. Em 2013, no entanto, a ressaca veio, e a vítima dos solavancos foi o bolso do investidor que precisou tirar recursos desses ativos justamente nesse período. O economista e consultor financeiro Marcelo d’Agosto fez as contas: quem alocou R$ 10 mil em um ativo indexado ao Ibovespa no início deste ano, teria, no começo de agosto, cerca de R$ 7,97 mil se fosse resgatar a aplicação. Se o mesmo investimento fosse feito numa NTN-B Principal com vencimento em 2024, teria agora em torno de R$ 8,90 mil e se a NTN-B fosse mais longa, para 2050. o valor seria menor: R$ 8,42 mil.
Para os especialistas, esses números terão de levar o investidor a um aprendizado: o entendimento de que papéis de prazo tão longo como as NTN-Bs são naturalmente mais arriscados e voláteis, mas não devem deixar de ser vistos como uma proteção interessante contra a inflação para aqueles que podem investir pelo menos com horizonte de médio prazo. A prova disso é que, se ampliado o prazo da aplicação, os títulos continuam se mostrando interessantes. Quem aplicou os mesmos valores há dois anos dos mesmo ativos teria hoje R$ 8,52 mil no caso do Ibovespa; R$ 13,90 mil se opção tivesse sido pela NTN-B 2024 e R$ 13,56 mil na NTN-B 2045 (na ocasião a NTN-B 2050 não era vendida).
Outra boa notícia é que, respondendo ao título desta reportagem, muitos acreditam que sim, o pior já passou em termos de solavancos no mercado de NTN-Bs. Os números de julho e do início de agosto já seriam sinais disso. Isso não quer dizer, no entanto, que os títulos deixarão de oscilar no curto prazo, mas sim que os movimentos mais bruscos tanto de alta, como se viu no ano passado, quanto de queda, como o deste começo de ano, tendem a não ser vistos novamente. Diante disso, o investidor precisa traçar suas estratégias, e isso vale para quem já tem os papéis e para quem pensa em comprar.
“No fim do ano passado, a NTN-B de 2015 chegou a ter uma taxa de 1,6%; e a de 2050, que vinha de mais de 5%, chegou a pagar apenas 3,79%. Houve muito exagero, é uma taxa muito baixa para um papel de quase 40 anos”, diz Marcelo Pacheco, gestor de fundos multimercados da BB DTVM. Esses exageros foram sendo revertidos ao longo do semestre com início do de alta da Selic, o crescente descontentamento dos estrangeiros com a economia local e, finalmente, com os sinais de reversão da política expansionista do Fed que levaram a formar uma tempestade perfeita entre maio e junho, pico do estresse nos papéis. “Vai continuar tendo oscilação, mas a volatilidade tende a se acomodar, não vai se comparar à da bolsa, isso foi algo mais pontual.”
O sócio e gestor responsável pelos fundos macro da Claritas Investimentos, Damont Carvalho, lembra que os resgates nos fundos que investem nesses papéis também pressionaram as taxas e contribuíram para o movimento mais crítico, entre maio e junho. Para Carvalho, a inflação tende a continuar girando na casa dos 5,5% a 6% nos próximos anos e, neste cenário e no nível atual de taxas, esses papéis funcionariam como uma proteção interessante, porém só para aqueles que tiverem horizonte de médio prazo. “Por motivos domésticos, a curva de juros já estaria bem precificada; mas, por motivos externos, ainda pode ter mais volatilidade, por isso eu digo que eles [ativos e fundos atrelados ao IMA-B, índice composto por uma cesta de títulos de inflação] podem proteger contra a inflação, mas é para o médio prazo”, diz Carvalho.
Para Pacheco, da BB DTVM, diante desse cenário os títulos curtos são mais interessantes. “Os papéis mais longos tendem a estar mais suscetíveis ao cenário externo e, como as ações do Fed devem continuar afetando as curvas de juros, os papéis mais curtos, entre 2015 e 2017, são mais interessantes”, diz, Gilberto Kfouri, que lidera a gestão de multimercados da Schroders Brasil, acredita, que no curto prazo será normal ver oscilações, mas dentro de uma faixa menor, como uma taxa que sai de 4,5% para 5% e vice-versa (nos papéis mais longos), por exemplo. “Vamos ter de passar a conviver com isso”, afirma, mas sem a magnitude dos movimentos que se viram até junho e que vieram no rastro de alguns exageros. Na visão dele, o que foi demonstrado é que o juro real neutro (de equilíbrio) da economia brasileira não é nem os 2% (ou até menos) que se quis atingir no ano passado, mas também não é 6% ou 7%. “Então, pode ser algo perto desses 4% a 5%”, observa.
Se isso é verdade, quem comprou os títulos na época da baixa exagerada das taxas deveria vender em algum momento, já que a visão é de que os juros reais não voltarão para aqueles níveis? Neste caso vale ressaltar que quem conseguir ficar com o papel até o fim do prazo não tem perdas, leva o valor acordado: a variação do IPCA mais o juro real fixado na compra. Porém, o consultor d’Agosto faz algumas ponderações para quem compra esses papéis. “São títulos muito longos e na prática a tendência é que muita gente acabe tendo de vender antes da hora. Então, diante do que vimos neste primeiro semestre, é preciso pensar e se planejar bem”, adverte.
Fonte: Jornal Valor Econômico